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A Seleção Brasileira perdeu a mística

Não é de hoje, sejamos honestos. A relação afetiva com a Seleção Brasileira de Futebol foi se deteriorando ao longo dos anos, culminando em um distanciamento que parece irreversível. Minha primeira grande decepção, não com os resultados, mas com o espírito de ser Brasil no futebol, aconteceu em 2006, com o gol de Thierry Henry que eliminou o Brasil da Copa da Alemanha. Aquele gol foi apenas a gota d’água. Tínhamos um timaço, com jogadores que haviam conquistado o título mundial quatro anos antes, no Japão. As expectativas eram altíssimas. O que se viu, entretanto, foi um ambiente de pouca seriedade, muito oba-oba, treinamentos festivos com a torcida e patrocinadores, além de insuficientes dos pontos de vista técnico e tático. Em resumo, muita farra e pouco foco.

Na Copa da África do Sul, em 2010, as críticas foram direcionadas ao comando, pela falta de liderança, escolhas erradas e um conceito de jogo muito defensivo. Afundamos frente à Holanda. Em 2014, no Brasil, uma nova esperança surgiu com a presença de Neymar, que viria a se transformar no maior símbolo do futebol-celebridade que impera até os dias de hoje. É verdade que, com ele em campo, a história poderia ter sido diferente nos humilhantes 7 a 1 para a Alemanha. Neymar sofreu uma pancada nas costas do colombiano Zuñiga nas quartas de final e acabou não sendo testemunha daquela “tragédia” dentro de campo. 


Depois vieram as Copas da Rússia e do Catar, já com uma ideia muito diferente de torcer daquela que muitos de nós tínhamos antes. Primeiro, porque começaram a surgir nomes de jogadores que nunca havíamos ouvido falar antes. Eram brasileiros, mas tinham partido para a Europa muito cedo, sem mesmo construir um nome ou reputação por aqui. Mais uma razão para não construirmos esse elo que sempre nos uniu. 

Seguimos sendo uma fábrica de bons jogadores, mas eles logo vão embora. Seria injusto criticá-los por querer dar uma vida melhor a suas famílias, mas o futebol virou apenas isso para eles: “business”. E quando não há um preparo sobre a vida suficiente para a maturidade do homem antes do atleta, os valores se deturpam. Jogar passa a ser apenas um meio para a obtenção do maior número de fãs e seguidores, dos amigos mais famosos, da maior casa, do melhor avião, do melhor helicóptero, da gata mais gata.

No meio do caminho, também é justo dizer, ganhamos duas medalhas de ouro de futebol nos Jogos Olímpicos (2016 e 2020) e duas Copas Américas (2007 e 2019), mas pouco para quem sempre bateu no peito para dizer que nasceu no país do futebol. Hoje não estamos entre os quatro melhores das Américas e nem para as Olimpíadas levaremos um time porque não fomos capazes de nos classificar. 

O que se viu ontem no jogo contra o Uruguai pelas quartas de final da Copa América, que está sendo jogada nos Estados Unidos, resume o que foi o futebol brasileiro desde 2006: jogadores sem criatividade, com uma liderança fraca e uma certa arrogância sobre o adversário. Ficou triste? Os jogadores podem até sentir a ressaca no dia seguinte, mas pode escrever: amanhã entram em férias e vão curtir sua merecida grana em alguma Riviera espalhada pelo mundo enquanto você fica aí lamentando o leite derramado e tem de trabalhar como um condenado para ganhar em um mês o que esses garotos talvez ganhem em um segundo.

Duas imagens me chocaram no jogo de ontem: a primeira mostrou que, enquanto o técnico argentino da seleção uruguaia, Marcelo Bielsa, determinava os batedores de pênaltis e mandava o seu recado com determinação e garra, nosso treinador, Dorival Júnior, a quem reconheço qualidades, ficava de fora da rodinha dos jogadores brasileiros com cara de quem estava perdido, sem a autoridade concedida pelos atletas. A segunda imagem foi o caminho percorrido por Éder Militão até a marca do pênalti, demonstrando tranquilidade - tranquilidade demais para a missão que lhe estava sendo dada e que podia ser confundida com soberba, já que falhou em seu intento.

Está tudo errado com a Seleção Brasileira, porque os valores estão completamente de cabeça para baixo. Isso, em minha modesta opinião, fez com que perdêssemos a mística que sempre nos acompanhou e que fazia nossos adversários tremerem antes de entrar em campo. A impressão que dá é que mais importante do que representar o País com as cores que tanto respeitamos, é garantir o contrato mais bacana para a alegria das futuras gerações. Deles.




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