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A dor de Carlinhos não pode ser ignorada

Quando adolescente, não tinha a mais mínima consciência de que aquilo que sofria se chamava bullying. Por alguma razão fui a vítima escolhida naquele ano. Alguns diziam que eu era um baixinho folgado, mas, acreditem, não era de provocar ninguém e muito menos de arrumar briga. A briga que arrumava um jeito de estar sempre perto de mim. A idade era a mesma do menino Carlos Teixeira, que morreu no último dia 16 de abril na Santa Casa de Santos após três paradas cardíacas e uma semana de internação por conta de dores nas costas provocadas pelo espancamento que sofreu de dois garotos na escola em que estudava.

Apesar dos indícios apontarem para isso, ainda não podemos afirmar que a morte tem relação com a agressão. O que, sim, podemos dizer é que o assédio moral e físico certamente tem muitas origens e todas elas são ingredientes da violência gratuita que insiste em amargar a vida em sociedade.  O bullying resulta de influências sociais e familiares. A falta de afeto e disciplina nos lares sempre foi uma desgraça, mas os tempos atuais de narcisismo, egoísmo e hedonismo agravam a situação. Outros fatores como a necessidade de dominância e a busca por aceitação confundem nossos jovens, que reagem de maneira desproporcional a seus impulsos.

Em suas múltiplas formas, a violência tem refletido a fragilidade de nossos laços sociais e o afastamento de certos princípios, como a empatia e o respeito mútuo que, como temos insistido neste espaço, são fundamentais para a convivência harmoniosa. A história de Carlinhos não é um caso isolado. Ela ecoa na vida de muitas crianças e adolescentes que se veem encurralados pelo medo diário de ir à escola, um lugar que deveria ser um ambiente seguro de aprendizado e desenvolvimento. 

Ao invés disso, muitos enfrentam um campo de batalha onde sua dignidade e segurança são constantemente ameaçadas. No caso de Carlinhos, a briga por um pirulito, há pouco mais de um mês, foi o estopim da tragédia. O menino relatava que nem ao banheiro os colegas poderiam ir, pois aquele que fosse, apanhava. A gravação do seu choro de dor e inconformismo, feita pelo pai, é tocante e um lembrete doloroso da urgência de uma intervenção.

Este cenário sombrio é tanto um reflexo de falhas individuais quanto de uma sociedade que frequentemente ignora a importância da educação socioemocional nas escolas.  A ausência de programas efetivos que promovam a consciência emocional e habilidades de relacionamento interpessoal é evidente. Além disso, a superexposição a ambientes virtuais onde a agressividade e o anonimato caminham lado a lado só amplifica comportamentos agressivos e desrespeitosos entre os jovens. Ou seja, o bullying sempre existiu, mas as formas e a perversidade têm se amplificado com o alto grau de dopamina que hoje essa molecada experimenta e, como sempre, muitos só percebem a necessidade de atuação após uma tragédia.

Diante dos fatos, é essencial que pais, educadores e responsáveis trabalhem juntos para criar estratégias que reforcem valores de compaixão e solidariedade. A implementação de políticas anti-bullying eficazes, junto com o acompanhamento psicológico disponível e acessível nas escolas, são passos que ajudam a mitigar esse tipo de violência. 

Histórias de dor e sofrimento, como a de Carlinhos, devem servir como um despertar urgente para a necessidade de revermos nossas prioridades enquanto comunidade. Somente através de um esforço coletivo para entender e combater as raízes da violência gratuita, poderemos esperar construir uma sociedade onde tais tragédias se tornem cada vez mais raras.



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