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Nem sempre é lindo andar na cidade de São Paulo

Nasci em São Paulo dois dias antes da cidade completar 414 anos. Não foi em qualquer lugar. Foi na Brigadeiro Luiz Antonio, 683, onde hoje funciona o Hospital Pérola Byington. Mais da gema, impossível. Cresci no Itaim Bibi ao lado de terrenos baldios, vizinhos amigos e ao som da corneta tocada pela sorveteiro da Kibon, o seu Antonio - um senhor negro, alto, magro, com uma extraordinária voz de locutor que até hoje ressoa em meus ouvidos. Tinha um grande carinho pelas crianças. E nós por ele. Foi uma infância feliz, na rua. Nessa época, fazer o caminho para a Vila Olimpia ou o Brooklin era uma pequena viagem. Para chegar até lá, precisávamos passar por córregos, matagais, ruas de terra e lama, muitas delas sem saída. Não existia avenida JK e muito menos Berrini.

O tempo e o progresso fizeram com que este tipo de sufoco fosse ficando para trás. Só que junto com ele, também a São Paulo que poderia ter sido. O fim dos anos 40, principalmente, marcaram para mim um dos mais importantes divisores de água de nossa cidade. Na arquitetura, na moda, no comportamento e nos costumes fomos aos poucos deixando o ar europeu das grandes imigrações da primeira metade do Século XX e passamos a firmar um passo rumo ao crescimento desenfreado e menos cortês dos dias atuais. É verdade que prefeitos como Prestes Maia e Faria Lima trouxeram nos anos 60 um ar de modernidade viária à cidade e desenvolveram conexões importantes entre as regiões da Capital, mas ao mesmo tempo fomos abrindo espaço para a verticalização, a concentração e a violência. Também é inegável a alta temperatura da mais pungente capital brasileira. Trabalho, arte, cultura, esportes, performance, inovação, dinheiro, tendências, gastronomia e tudo o que você quiser achar por aqui é possível de encontrar, da melhor qualidade, ou não. Ao ver fotos da São Paulo que nunca vivi, percebo que poderíamos ter sido um pouco mais Paris, Madrid, Londres ou Roma. Nossos cavalheiros bem vestidos e nossas damas de igual capricho, possivelmente teriam dado lugar a uma deselegância mais discreta. Mas já foi. Perdemos o bonde, ou melhor, perdemos o bonde, o chapéu, o paletó, a educação e o amor pela construção de uma cidade mais humana e gentil. Vivemos emulando a vocação brasileira para a exploração e o descaso.

Sou um paulistano absoluto, com orgulho de minha terra, mas ciente de que se não fizermos muito por ela, de dentro para fora, nada será refletido de fora para dentro. Nesta data costumamos exaltar as maravilhas, mas sempre aparece um chato para mostrar as armadilhas. Hoje esse chato sou eu. Termino apenas com um exemplo: a foto é do Belvedere-Trianon, de Ramos de Azevedo - em minha opinião um dos filhos mais ilustres da história da cidade. Abaixo, o terreno onde seriam construídos a Avenida Nove de Julho e o túnel que ligaria alguns bairros ao Centro. Em 1951, demoliram essa preciosidade para a Bienal Internacional de São Paulo e logo depois começaram a construir em seu lugar o MASP, museu inaugurado no mesmo ano em que nasci. Este é o retrato de São Paulo: em nome da "arte" enterram-se obras-primas. Para que ter o belo se estamos por aqui só de passagem?

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